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Filiação Socioafetiva: A socioafetividade nas relações familiares

O marco inicial para a efetiva transformação do Direito de Família se deu na Constituição Federal de 1988. A partir de então, não há mais a exclusividade da família constituída apenas pelo casamento, baseado num sistema hierárquico e patriarcal. Atualmente a preocupação é somente com a preservação da dignidade da pessoa humana e não mais com a centralidade do patrimônio.

Quanto à filiação, esta passou a ser una, ou seja, de forma igualitária para qualquer que seja sua origem. Dessa forma, não existe mais a preocupação em estruturar uma família com base apenas no vínculo consanguíneo, mas também no afeto, no carinho, no amor. E a existência destes possibilitou a origem do termo filiação socioafetiva, a qual se caracteriza pela afetividade, bem como pela posse de estado de filho, que é tão importante quanto à biológica e por essa razão, merece proteção.

Nesse sentido, a filiação socioafetiva nada mais é do que o reconhecimento jurídico da maternidade e/ou paternidade com base no afeto, ou seja, quando não há vínculo de sangue entre as partes; quando um homem e/ou uma mulher criam um filho como sendo seu, mesmo não sendo o pai ou mãe biológica da criança ou adolescente.

Atualmente, podemos dizer que o afeto tem servido como base para o reconhecimento da filiação socioafetiva como uma espécie que possui um grau de importância tão elevado quanto à filiação de origem biológica. Assim, podemos dizer que a filiação oriunda do afeto tem como espécies a adoção à brasileira, o filho de criação, a filiação por reconhecimento voluntário e judicial.

O seu reconhecimento formal é feito no âmbito do Poder Judiciário, oportunidade em que o juiz observará se o vínculo declarado pelas partes se caracteriza como uma relação comprovadamente socioafetiva, típica de uma relação filial (sanguínea), que seja pública, contínua, duradoura e consolidada. Ao final do processo, com a decisão pelo reconhecimento da filiação, a Justiça determina que seja alterado o registro de nascimento do(a) filho(a), com a inclusão do nome do pai e/ou mãe socioafetiva, bem como dos respectivos avós.

Já o seu reconhecimento voluntário tem como objetivo declarar que existem filhos que não foram originados do casamento. É um ato voluntário das partes, que não se refere à presunção de paternidade, pois esta última se encontraria presente se o(a) filho(a) fosse originado do casamento. Conforme dispõe o art. 1607 do Código Civil, o reconhecimento voluntário pode ocorrer de forma conjunta (pelos pais) ou separadamente.

Diante disso, verificamos que independente da forma, o reconhecimento da filiação socioafetiva pode ser buscado a qualquer tempo, até mesmo após a morte dos pais que gostariam de ser reconhecidos como tais. Para tanto, o juiz observará as provas que possam evidenciar o tipo de relação existente em cada caso.

É importante, no entanto, diferenciar uma relação socioafetiva daquela estabelecida entre uma criança e seu padrasto ou madrasta. Em muitas situações, o homem ou a mulher pode manter uma relação saudável com o(a) enteado(a), e esse vínculo não necessariamente se caracteriza como sendo paterno ou maternidade socioafetiva.

A partir do reconhecimento do parentesco socioafetivo, este produzirá os mesmos efeitos, pessoais e patrimoniais, do parentesco biológico, tanto para os pais, quanto para os filhos. Portanto, aos filhos estarão assegurados direitos como o recebimento de pensão alimentícia e a convivência familiar, entre outros, e aos pais o direito e dever de guarda e o direito à visitação. Além disso, não existem diferenças de direitos e deveres assegurados na legislação entre filhos genéticos (sanguíneos) e socioafetivos.

Contudo, lembramos que no âmbito familiar pode haver possíveis conflitos, em especial na relação entre pais e filhos, onde surge a seguinte indagação: é possível a desconstituição posterior da filiação socioafetiva diante à extinção da convivência, do afeto e da posse de estado de filho?

Nesta hipótese, uma vez materializados os elementos inerentes a filiação socioafetiva, ou seja, a convivência, o afeto, a posse de estado de filho, constituído está o vínculo socioafetivo e consequentemente a identidade do(a) filho(a). A paternidade e maternidade socioafetiva está relacionada com a afetividade, que engloba sentimentos que se prolongam e se fortalecem a cada dia. Logo, não convém que a relação envolvendo pais e filhos, independentemente do liame biológico, se desconstitui, uma vez que a relação paterna é um fator essencial no desenvolvimento do filho no que tange a formação de sua personalidade.

Portanto, temos que a filiação socioafetiva no Direito Brasileiro refletiu uma transição ocorrida no conceito de família que é caracterizada pela afetividade, elemento atualmente considerado de maior importância na relação paterno/materno biológico. Diante desta assertiva, é assegurado a não desconstituição posterior da filiação socioafetiva, tendo em vista que a índole do indivíduo se constrói através da convivência familiar, adquirindo com isto toda uma experiência de vida.

A declaração de vontade, portanto, é o elemento preponderante no reconhecimento da socioafetividade. Aquele que exercita o afeto, mas não deseja ser pai ou mãe, não pode, apenas por isso, ser penalizado com a invasão de seu patrimônio ou com o prejuízo à legítima dos próprios filhos. Não é o mero envolvimento emocional que vai estabelecer o vínculo de paternidade/maternidade-filiação. Acolher ou proteger uma criança ou um adolescente é ato de amor, a ser sempre incentivado, não podendo fazer com que o acolhido seja automaticamente considerado como filho, com todas as consequências daí decorrentes, devendo, portanto, as partes seguirem as formalidades necessárias para regularização desta condição.

Cecile Rocha de Oliveira é Bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU e Pós-graduada em Direito Processual Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Atualmente é membro da Comissão de Direito Civil e Comissão de Direito de Família e Sucessão da OAB Butantã. Possui experiência em contencioso cível em geral, atuando nas áreas de Direito Civil, Consumidor, Saúde, Imobiliário, Família e Sucessões.

Cecile Rocha de Oliveira

Autor Cecile Rocha de Oliveira

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