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Convenção coletiva e portaria virtual.

Por 24/10/2023outubro 30th, 2023Sem comentários

No último dia 01.10.2023 entrou em vigor a Convenção Coletiva de Trabalho de 2023 do Sindifícios (Sindicato dos Trabalhadores em Edifícios e Condomínios de São Paulo).

Não vamos aqui tratar das cláusulas que dispõe sobre os direitos dos empregados, pois isso já é conhecimento da grande maioria.

O que falaremos é sobre a inclusão no texto da Convenção Coletiva de uma cláusula que impôs uma multa aos condomínios em caso de demissão de funcionários em razão da contratação e implementação de portaria virtual.

Na Convenção foi introduzido um tema que trata da mão de obra temporária/terceirizada e na Cláusula Trigésima Sexta, o Sindicato apresentou uma espécie de regulamentação do monitoramento a distância. 

Convenção Coletiva 2023 2024, consultado em 11.10.2023.

De acordo com a Convenção, o que o Sindicato busca é a melhor condição de vida para os trabalhadores, com a preservação dos postos de trabalho, e, para tanto, sugeriram que pelo menos 2 (dois) funcionários fossem mantidos devidamente registrados e o pagamento de compensação financeira para cada empregado dispensado no valor de 10 (dez) pisos salariais da categoria, que deverá ser realizada no mesmo prazo do pagamento das verbas rescisórias. Segundo o Sindicato essa multa servirá para que o funcionário demitido se requalifique e consiga novas oportunidades no mercado de trabalho.

E ainda trouxe orientações acerca da documentação a ser solicitada para eventuais empresas de portaria virtual a serem contratadas pelos condomínios conforme previsão do Parágrafo Quinto da Cláusula Trigésima Sexta. Aqui, imagino que os condomínios que contam com uma assessoria jurídica façam isso para os contratos, dando segurança jurídica o edifício e síndico.

A reforma trabalhista, depois que tirou a contribuição sindical da CLT, em contrapartida deu para os sindicatos o direito daquilo que é negociado se sobrepor ao legislado, então, as Convenções Coletivas podem tudo desde que não confrontem a Constituição Federal, por exemplo, o sindicato em uma convenção coletiva pode diminuir o piso salarial, diminuir o percentual do adicional de insalubridade, escalar feriados que não serão pagos e mesmo em uma ação judicial o Juiz não poderá tirar esse direito pois a Convenção se sobrepõe a CLT em casos que não há prejuízo ao empregado e nem afronta a Constituição Federal.

Ao que parece, a intenção dessa multa é inviabilizar a instalação da portaria virtual, ou alguém acha que um síndico terá coragem de sofrer fiscalizações e receber multas? Essa parte da negociação coletiva beneficiou apenas os empregados, o correto era não ter feito parte do texto da Convenção.

Com certeza essa cláusula será objeto de discussão acerca da sua constitucionalidade. Imagina uma rescisão contratual que o valor devido ao empregado é menor que a multa de 10 (dez) pisos salariais, um verdadeiro absurdo. As entidades representativas dos condomínios deveriam se unir e promover uma ação para questionar a constitucionalidade desta cláusula.

Se os condomínios optarem em contratar as portarias virtuais correrão risco de sofrer fiscalização e até multa. Mas se a saúde financeira de determinado edifício depende da portaria virtual para sobrevivência, qual será a alternativa do síndico? Não vejo outra diferente da contratação da portaria virtual. Se for essencial para o condomínio colocar a portaria virtual, poderá implementar, mas recomendo já montar um dossiê com decisões judiciais a favor dos condomínios. Lembrando que essa discussão já chegou ao judiciário em cidades como São Caetano do Sul e Ribeirão Preto, que possuíam normas específicas acerca da portaria remota nos condomínios.

Através de decisão proferida no mês de março de 2023 a Seção Especializada de Dissídios Coletivos do TST (Tribunal Superior do Trabalho) anulou cláusula da Convenção Coletiva de sindicato de Ribeirão Preto pois entendeu que ela afronta os princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência, processo n.º ROT-7821-86.2018.5.15.0000.

Já para o caso de São Caetano do Sul, em decisão proferida no mês de janeiro de 2023 a Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu a validade da cláusula da Convenção Coletiva, esclarecendo que o instrumento coletivo integra o princípio da busca do pleno emprego à proteção da ordem econômica. Para o Relator, Ministro Alberto Balazeiro, assinalou que o artigo 170, inciso VIII, da Constituição, integra o princípio da busca do pleno emprego à proteção da ordem econômica. “A convenção coletiva que estabelece limites à liberdade de contratação não encerra, em si, conflito com as garantias constitucionais, mas com elas dialoga”, concluiu, processo n.º RR-1001024-08.2020.5.02.0473.

Por se tratar de um tema novo e polêmico, temos uma decisão favorável e outra desfavorável. 

Se fizermos uma simples analogia perceberemos que as portarias virtuais vieram para ficar, mas sabemos que esse formato não servirá para todos os edifícios, imaginem dentro de um condomínio clube, é quase inviável. Por exemplo, na Netflix, houve alguma reclamação por parte dos proprietários das locadoras de fitas de vídeo? Recentemente tivemos o processo de automação das agências bancárias, carros por aplicativo, aqui tivemos grande movimentação por parte do sindicato dos taxistas, mas não houve aplicação de multa se um usuário optasse em trocar o táxi por um carro por aplicativo.

As Convenções Coletivas estabelecem tratativas entre empregados e empresas, mas tem limites. O artigo 611 da CLT fala do papel das entidades, que nada mais é do que regular as condições de empregos. Mas será que exigir o mínimo de empregados através de uma cláusula convencional resolveria o problema de desemprego? Mas e o condomínio que não tem recursos para contratar funcionário? Não parece razoável transferir para a Convenção Coletiva determinar a quantidade mínima de funcionários de um edifício. Cabe ao síndico essa análise.

No mesmo sentido a Convenção Coletiva não pode obrigar a manutenção de um cenário se não está dando certo, não é eficaz, não atende a necessidade do condomínio. Por isso novas tecnologias ou mesmo novas formas de controle de acesso/segurança surgem e devem ser implementadas nos inúmeros condomínios.

Outro ponto importante, quer dizer que além de todas as verbas rescisórias, previstas na CLT, o condomínio ainda terá que pagar multa de 10 (dez) pisos salariais? Me parece uma dupla penalidade ou uma tentativa de evitar a transformação da portaria física em virtual? E no final os condomínios deverão sempre conviver com passivos trabalhistas?

E daqui para frente, síndico, o que fazer?

Implementar a portaria virtual e torcer para não sofrer fiscalização e multa?

Contratar advogado para abertura de processo judicial para discussão da constitucionalidade da cláusula?

Síndicos, caso recebam multa, recomendo discutir sua constitucionalidade, que pode levar anos. Mas tenham calma, consulte um advogado, fale com a administradora e não tenha medo de levar o assunto para assembleia.

Mas tenho certeza de que os síndicos ficarão com medo após receberem notificações do sindicato. E com razão.

Porém, vale relembrar que o condomínio, através de uma assembleia, tem a possibilidade de deliberar sobre esse assunto e escolher a forma de segurança, se armada, através de porteiro ou remota, isso sim é a livre concorrência/escolha.

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Fernando Augusto Zito é graduado em Direito pela FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas) no ano de 2004; Advogado especialista em Direito Condominial; Pós-graduado em Direito e Negócios Imobiliários pela Damásio Educacional; Pós-Graduado em Direito Tributário pela PUC/SP; Pós-Graduado em Processo Civil pela PUC/SP. Membro da Comissão de Condomínios do Ibradim, Palestrante especializado no tema Direito Condominial; Colunista do site especializado Sindiconet, Sindiconews, Sindicolab, Condomínio em Foco e das revistas “Em Condomínios” e ”Viva o Condomínio”. Participação efetiva em assembleias, reuniões e demais decisões de um condomínio. Já atuou como síndico profissional.

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