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Falta de boleto não afasta a mora do condômino.

Como é sabido e estabelecido no Código Civil em seu artigo 1.336, I, é dever do condômino contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, ou seja, é fato notório que há obrigação de pagamento da cota condominial, mas e quando o boleto para realizar tal pagamento não é enviado pela administradora do condomínio?

Em muitos casos acontece de alguns condôminos não morarem no condomínio, estarem viajando e por um motivo ou outro não receberam a taxa condominial, pode até mesmo ocorrer da construtora do empreendimento que ainda detém propriedade de unidades não receber os boletos, seja pessoalmente ou via e-mail. E por essa razão acreditam não ser responsáveis por buscar o documento em tempo hábil, no local disponibilizado pelo Condomínio, para efetuar o pagamento de sua cota em dia, tornando-se inadimplente.

Caso ocorra a situação narrada acima e o condômino fique inadimplente sob a alegação de não ter recebido o boleto para pagamento deverá incidir os encargos de multa e juros previstos na convenção, bem como, este terá seu direito a voto nas assembleias condominiais cessado até que haja o adimplemento da obrigação [1].

O ponto principal que desobriga o condomínio ter a obrigação de enviar o boleto ao morador é que não há relação de consumo entre as partes, a taxa condominial não é um título mercantil, que abre esses precedentes e sim um título executivo de relação particular, que é regida pela Convenção do Condomínio e Código Civil, então se trata de uma relação de obrigação e não de consumo.

Como regra geral, o Código Civil estabelece que o pagamento deva ser efetuado “no domicílio do devedor, salvo se as partes convencionarem diversamente, ou se o contrário resultar da lei, da natureza da obrigação ou das circunstâncias [2]”. 

Outro ponto que deixa claro que o devedor deve buscar meios para realizar tal pagamento é que a cota condominial é uma dívida portável, ou seja, na Dívida Portável se estabelece o domicílio do credor para seu pagamento ou local onde este determinar, conforme Art. 78 da do Código Civil. Assim o devedor, para se desobrigar da responsabilidade deve se dirigir ao domicílio do credor, para que haja o pagamento da dívida. Porquanto, nesta natureza de dívida, cabe ao devedor o ônus de provar que efetuou o pagamento ao credor, já que o dever de pagar é automático, não havendo necessidade de o credor efetuar prévia notificação. 

Esse é o entendimento que vem sendo aplicado no judiciário de que a taxa condominial se enquadra como dívida portável e não quesível, pela natureza de sua obrigação, que é de rateio de despesas da cota parte do condômino, que deve ser arrecadada em tempo hábil para fazer frente às obrigações. De modo que, a mera alegação do devedor de não ter recebido o boleto de cobrança, não representa justificativa válida para o não pagamento na data aprazada. A falta do envio de boletos pelo credor ao condômino não afasta a mora e seus efeitos, pois o devedor deve buscar em tempo hábil outras formas para efetuar esse pagamento, até porque o mesmo tem pleno conhecimento da existência dessa despesa, de seu vencimento mensal e onde está disponível o documento para efetuar o pagamento. Dessa forma, o condômino não pode se eximir de arcar com os encargos da mora por não ter pago as taxas condominiais em dia, sob o argumento de não ter recebido os boletos, com esse entendimento o juiz Fabricio Reali Zia Da 8ª Vara Cível De Campinas, brilhantemente discorreu:

“Há controvérsia acerca do atraso no pagamento das quotas condominiais. A controvérsia reside, contudo, acerca da cobrança de encargos relacionados ao atraso no pagamento. Isso porque a parte ré afirmou, em sede de contestação, que não efetuaram os pagamentos pleiteados por, não residindo no local do imóvel, tampouco recebeu os boletos de cobrança, desconhecendo, portanto, a existência da dívida. Razão não assiste à parte ré. Afinal, o não recebimento de boletos, ainda que comprovado, não afastaria a obrigação de pagamento condominial. Ora, sabido que incidentes as cobranças condominiais, não é concebível que os corréus repousem na confortável posição de nada desembolsar ao argumento de que devem quitação apenas aos boletos recebidos. Ao contrário, cumpria-lhes diligenciar quanto, como e onde pagar os não recebidos. Não o tendo feito, portanto, devem suportar os efeitos, bem como os consequentes pagamentos de todos os encargos, nos termos do artigo 1.336, § 1º do Código Civil.

Nesse sentido é o entendimento dos Tribunais de Justiça, conforme ementa:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. AÇÃO DE COBRANÇA. FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL. PRELIMINAR REJEITADA. DESPESAS CONDOMINIAIS. INADIMPLÊNCIA. FALHA NA EMISSÃO DO BOLETO DE COBRANÇA. IRRELEVÂNCIA. DÍVIDA DE NATUREZA PORTÁVEL. PRECEDENTE. MORA DO CONDÔMINO. CONFIGURADA. ENCARGOS MORATÓRIOS. DEVIDOS. REPETIÇÃO EM DOBRO DO INDÉBITO. AUSÊNCIA DE MÁ FÉ E EFETIVO PAGAMENTO. (…)4. É de responsabilidade do condômino a quitação de seus débitos de maneira regular, independentemente dos equívocos que possa ocorrer no encaminhamento dos boletos de cobrança. Isso porque, as despesas afetas ao condomínio representam dívidas portáveis (portable) e com vencimento certo, que devem ser pagas junto ao credor. Logo, na eventualidade de não recebimento do boleto em tempo hábil, é dever do condômino, ciente de sua obrigação, buscar outras formas de pagamento. Precedentes. (…)6. Recurso desprovido. (TJ-DF 07175832120198070001 DF 0717583-21.2019.8.07.0001, Relator: ALFEU MACHADO, Data de Julgamento: 24/06/2020, 6ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 06/07/2020 . Pág.: Sem Página Cadastrada.)

Diante dos julgados mencionados e da natureza do débito condominial restou incontroverso a responsabilidade de ter acesso ao boleto condominial é do próprio condômino. Ou seja, o envio do boleto de rateio condominial ao condômino é mera cortesia do condomínio.

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[1] Art. 1.335. São direitos do condômino: III – votar nas deliberações da assembleia e delas participar, estando quite.
[2] Art. 327. Efetuar-se-á o pagamento no domicílio do devedor, salvo se as partes convencionarem diversamente, ou se o contrário resultar da lei, da natureza da obrigação ou das circunstâncias.

Carlos Simão é Bacharel em Direito pela Universidade Paulista. Pós-Graduado em Direito Processual Civil pelo IBMEC-Damásio. Pós-Graduando em Advocacia Cível pela Fundação do Ministério Público do Rio Grande do Sul. Membro Efetivo da Comissão de Direito Condominial da OAB de São Caetano do Sul/SP. Experiência em Direito Imobiliário e Condominial.

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