
A proposta de reforma do Código Civil em tramitação no Senado Federal traz consigo inovações relevantes para o cotidiano condominial. Uma das mais significativas é o reconhecimento dos animais como seres sencientes, ou seja, dotados de sensibilidade e merecedores de proteção jurídica específica. Essa mudança legislativa impacta diretamente a convivência nos condomínios e exige uma nova postura tanto dos condôminos quanto da gestão condominial.
Animais deixam de ser coisas para o Direito
Historicamente, o ordenamento jurídico brasileiro tratava os animais como bens móveis — ou seja, coisas. Com a inclusão do artigo 1.510-A na proposta de reforma do Código Civil, esse entendimento é superado: os animais passam a ser reconhecidos como seres vivos com capacidade de sentir dor, medo, prazer, entre outras sensações. Tal reconhecimento implica uma mudança de paradigma e reforça a proteção dos direitos fundamentais dos animais.
Do ponto de vista prático, essa alteração fortalece a relação afetiva estabelecida entre tutores e seus animais, especialmente nas chamadas “famílias multiespécie”, realidade já bastante presente em condomínios residenciais. Os animais passam a gozar de uma
tutela jurídica que vai além da posse e da propriedade, exigindo respeito à sua dignidade e bem-estar.
Convivência com animais em condomínios: o que muda?
No ambiente condominial, a presença de animais de estimação sempre gerou debates, frequentemente judicializados. Com o novo status jurídico, torna-se ainda mais evidente que não é permitido proibir genericamente a permanência de pets nas unidades autônomas, salvo em situações específicas, como risco à saúde, segurança ou comprovada perturbação reiterada ao sossego.
A jurisprudência já vinha se consolidando nesse sentido, reconhecendo o direito dos condôminos de manter animais domésticos em suas residências, desde que observadas as regras de convivência e os direitos dos demais moradores. A reforma legal apenas reforça esse entendimento e impõe a necessidade de regulamentações internas mais claras e coerentes com essa nova realidade.
Deveres dos tutores e papel da gestão condominial
O reconhecimento jurídico dos animais como seres sencientes também impõe novas responsabilidades aos tutores. É dever dos proprietários zelar não apenas pela saúde e segurança de seus pets, mas também garantir que sua presença não cause prejuízos à coletividade.
Dentre os cuidados exigidos, destacam-se:
• A correta higienização das áreas comuns utilizadas pelos animais;
• O uso de guias, coleiras e, quando necessário, focinheira em locais de circulação coletiva;
• A manutenção da carteira de vacinação atualizada;
• O controle de ruídos e comportamentos que possam representar risco ou incômodo aos demais condôminos.
Para os síndicos e administradores, cabe o papel de orientar, fiscalizar e eventualmente aplicar sanções previstas na convenção e no regimento interno, sempre observando o princípio da razoabilidade e a nova legislação.
Famílias multiespécie e inclusão normativa
Com o crescente número de famílias multiespécie — aquelas compostas por pessoas e seus animais de estimação — é indispensável que os condomínios adequem suas normas internas a esse novo cenário legal. Isso não significa flexibilizar a convivência de forma irresponsável, mas sim alinhar as regras à realidade social, promovendo uma gestão mais empática, moderna e juridicamente atualizada.
A adoção de regras claras quanto à circulação de animais, uso de elevadores, áreas de lazer pet friendly e penalidades específicas contribui para a pacificação de conflitos e a promoção do bem-estar coletivo.
ConclusãoA reforma do Código Civil representa um marco importante na evolução do Direito Civil brasileiro ao reconhecer os animais como sujeitos de direito, ainda que não humanos. Para os condomínios, trata-se de um convite à modernização de suas normas internas e à promoção de uma convivência mais harmoniosa, que respeite a individualidade, os vínculos afetivos e a dignidade de todos os envolvidos.
A gestão condominial que se antecipa a essas mudanças se destaca pela responsabilidade social, legal e pela capacidade de resolver conflitos com base no diálogo e na legalidade.
Carlos Simão é Bacharel em Direito pela Universidade Paulista. Pós-Graduado em Direito Processual Civil pelo IBMEC-Damásio. Pós-Graduado em Advocacia Cível pela Fundação do Ministério Público do Rio Grande do Sul. Cursou Direito Condominial: Introdução e Aplicação Prática pela ESA OAB. Membro Efetivo da Comissão de Direito Condominial da OAB de São Caetano do Sul/SP. Coordenador Jurídico com experiência em Direito Imobiliário e Condominial.