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Alienação fiduciária e os débitos condominiais: quem paga a conta?

Por 09/08/2023agosto 29th, 2023Sem comentários

Com o advento da Lei 9.514/97, criou-se a alienação fiduciária de bem imóvel, cujo objetivo foi tornar mais rápido, seguro e eficaz, a concessão de crédito no mercado imobiliário.

O objetivo desta lei foi reduzir os riscos de inadimplemento em contratos de financiamento e incentivar os bancos a concessão de empréstimos para compra de imóveis, uma vez que o contrato é garantido pelo próprio bem que está sendo financiado e se o alienado não quitar, o banco alienante pode consolidar a propriedade do imóvel de maneira extrajudicial [1].

Como toda lei nova, seja em razão de lacunas, seja por dúvidas na sua interpretação, cabe ao Judiciário definir o que deve ser feito naquele conflito sobre a norma em debate, e no caso de débitos condominiais envolvendo o imóvel dado em garantia, a divergência surge quando não há o pagamento da dívida e a execução avança para fase de penhora e expropriação.

Sabemos que na cobrança de despesa condominial, diante do caráter “propter rem”, o próprio imóvel é o garantidor do pagamento dos débitos condominiais, contudo, quando existe alienação fiduciária sobre o bem, tem-se entendido que somente é possível penhorar os direitos do contrato de aquisição.

O fundamento utilizado é que não seria possível a penhora do imóvel alienado fiduciariamente para pagamento de despesas condominiais de responsabilidade do devedor fiduciante, uma vez que o bem não integra o seu patrimônio, mas sim o do credor fiduciário [2].

Esse foi o entendimento da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial 2.036.289 – RS, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, que impediu a penhora pelo condomínio do imóvel alienado fiduciariamente, admitindo-se tão somente a penhora do direito real de aquisição derivado da alienação fiduciária.

Tal decisão é totalmente desfavorável aos condomínios, pois prestigia o interesse do credor fiduciário que detém a posse indireta do bem, porém não assume o encargo de pagamento do débito condominial, causando prejuízos a toda massa condominial que precisa arcar financeiramente com a desídia do condômino inadimplente.

Sem falar que a penhora de direitos do titular da aquisição também não se mostra uma solução prática, pois em muitos casos, o valor pago no contrato é mínimo, com elevado saldo devedor junto ao credor fiduciário, fazendo com que não haja interessados em arrematar tal direito num eventual leilão.

Recentemente, contrariando esse entendimento, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 2.059.278, deu provimento ao recurso especial, através do voto divergente do Ministro Raul Araújo, para autorizar a penhora da unidade devedora de débitos condominiais quando existente a alienação fiduciária.

Nos fundamentos da decisão, o imóvel alienado pode ser penhorado e leiloado, já que a inadimplência prejudica outros condôminos que fazem o pagamento das cotas em dia e tendem a suportar eventuais rateios por conta da inadimplência para ajustar o fluxo de caixa do condomínio.

De acordo com o Ministro, se estas despesas não forem pagas pelo devedor fiduciante nem pelo devedor fiduciário, quem terá que arcar serão os demais condôminos, não parecendo correto e nem justo atribuir esse ônus à massa condominial.

Essa decisão prestigia o caráter “propter rem” da dívida, ficando sempre atrelada ao imóvel, independente da sua titularidade ou garantia existente.

O fato é que existe enorme insegurança jurídica gerada pelo Superior Tribunal de Justiça, gerada por decisões desalinhadas e contraditórias, de modo que deve haver uma posição definitiva sobre o assunto. 

Enquanto isso, todos pagam essa conta.

[1] Art. 26. Vencida e não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário.

[2]  “Assim, não é possível a penhora do imóvel alienado fiduciariamente em execução de despesas condominiais de responsabilidade do devedor fiduciante, na forma dos arts. 27, § 8º, da Lei nº 9.514/1997 e 1.368-B, parágrafo único, do CC/2002, mas vez que o bem não integra o seu patrimônio, mas sim o do credor fiduciário, admitindo-se, contudo, a penhora do direito real de aquisição derivado da alienação fiduciária, de acordo com os arts. 1.368-B, caput, do CC/2002, c/c o art. 835, XII, do CPC/2015”.

[3] Proclamação Final de Julgamento: Após o voto do relator negando provimento ao recurso especial, e o voto do Ministro Raul Araújo dando provimento ao recurso especial, divergindo do relator, no que foi acompanhado pelos Ministros João Otávio de Noronha, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira, a Quarta Turma, por maioria, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto divergente do Sr. Ministro Raul Araújo, que lavrará o acórdão. Vencido o relator. (23.05.2023).

Flavio Marques Ribeiro é Graduado em Direito pela FMU em 2004; Pós Graduado em Processo Civil pela PUC/SP. Pós- graduado em Direito Imobiliário pela Escola Paulista de Direito (EPD) e Pós-graduado em Direito Civil Empresarial e Contratos pela Damásio Educacional. Experiência e liderança no Contencioso Cível em diversos escritórios, com litígios envolvendo as áreas de Direito Empresarial, Contratual, Consumidor, Imobiliário, Societário, Tributário, Família e Sucessão.

Flavio Marques Ribeiro

Autor Flavio Marques Ribeiro

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