Skip to main content
ArtigosEmpresarialPublicações

A responsabilização dos sócios por dívidas de sociedades.

Por 24/10/2023novembro 13th, 2023Sem comentários

A responsabilidade dos sócios pelas dívidas de sociedades é tema tormentoso, especialmente quando existe a inclusão indevida deles em demandas, sem que se tenha dado oportunidade prévia de discutir suas responsabilidades.

Na esfera cível, existe uma melhor observância da legislação vigente, em razão da nova sistemática do Código de Processo Civil (2015), ao criar o Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ), previsto nos artigos 133 e seguintes do CPC.

Entretanto, pairam algumas controvérsias sobre o tema, como por exemplo, nas relações de consumo, no sentido de dispensar a instauração do incidente quando o requerimento for solicitado na petição inicial, nos moldes do que determina o artigo 134, § 2º, do CPC [1].

Por exemplo, nos casos de golpes de pirâmide financeira, ou de situações de evidente fraude que lesiona os consumidores, com a aplicação da Teoria Menor, é comum solicitar a desconsideração da personalidade jurídica logo no início do processo, sendo que muitos juízes de primeira instância acabam indeferindo o pedido.

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o pedido de penhora contra empresa do mesmo grupo da executada, exigiu a prévia desconsideração da personalidade jurídica, como norma processual de observância obrigatória [2].

E quando os casos são tratados na esfera trabalhista ou tributária?

Não são raros os casos trabalhistas em que se determina a inclusão indevida dos sócios, seja incluindo aqueles que já não fazem mais parte dos quadros societários há anos, ou por dispensar a instauração do incidente de desconsideração na forma da legislação processual.

O que não se pode permitir é o mero redirecionamento da execução contra os sócios, sem a observância dos pressupostos, cuja prova ficará a cargo do credor. Cabe à Justiça do Trabalho assegurar aos terceiros incluídos o devido respeito às normas, sob pena de grave violação aos princípios constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa.

Por fim, no que se refere à responsabilidade tributária, polêmicas também não faltam.

Ainda sobre a necessidade ou não da instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, existe divergência no Superior Tribunal de Justiça sobre a aplicação do IDPJ no executivo fiscal.

A Primeira Turma admite a necessidade de instauração do IDPJ quando presentes as hipóteses de abuso de direito, fraude e simulação previstas no artigo 50 do Código Civil e desde que não comprovadas as hipóteses de responsabilidade previstas nos artigos 134 e 135 do CTN.

Enquanto a Segunda Turma entende pela incompatibilidade do IDPJ com o rito das execuções fiscais, uma vez que a responsabilização tratada nos artigos 134 e 135 do CTN, não exige a desconsideração da pessoa jurídica, cuja responsabilidade dos sócios é atribuída pela própria lei.

Caberá agora ao C.STJ julgar o tema através da sistemática de recursos repetitivos através do Tema 1209 [3].

Independente das esferas mencionadas e da questão da obrigatoriedade do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, é preciso ter em mente que não é qualquer redirecionamento da execução possa autorizar a responsabilidade dos sócios.

É certo que o STJ, no julgamento do REsp nº 1.104.900/ES, afeto à sistemática dos recursos representativos da controvérsia, firmou o entendimento de que “se a execução foi ajuizada apenas contra a pessoa jurídica, mas o nome do sócio consta da CDA, a ele incumbe o ônus da prova de que não ficou caracterizada nenhuma das circunstâncias previstas no art.135 do CTN, ou seja, não houve a prática de atos ‘com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos”.

Ao passo que não basta a mera participação societária para responsabilidade, mas que aquele sócio tenha sua condição de sócio gerente ou administrador, com poderes de gestão da pessoa jurídica, consoante o que dispõe o artigo 135, inciso III, do Código Tributário Nacional.

Esse é o entendimento da jurisprudência: “TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.IMPOSSIBILIDADE DE REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL A SÓCIOQUOTISTA SEM PODERES DE GERÊNCIA. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 7/STJ.AGRAVO REGIMENTAL DO ESTADO DE SÃO PAULO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A jurisprudência desta Corte entende que o integrante de sociedade por cotas de responsabilidade limitada, sem função de gerência, não pode ser responsabilizado por dívidas tributárias contraídas pela sociedade, ainda que esta tenha se dissolvido irregularmente (REsp808.386/SP, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJ 26.2.2007). 2. Hipótese em que o Tribunal local consignou expressamente que a agravada, apesar de sócia, não exercia a administração ou gerência da empresa executada. 3. Logo, não se trata de reexame de provas, mas sim de revaloração do conjunto fático-probatório delineado no acórdão atacado. 4. Agravo Regimental do ESTADO DE SÃO PAULO a que se nega provimento.” (AgRg no AREsp 791.728/SP – relator ministro Napoleão Nunes Maia Filho – j. em 23.8.2018

Concluindo, salutar que sempre seja dada oportunidade aos sócios, inclusive pela via do incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ), para defesa em relação ao redirecionamento da execução, em qualquer esfera cível, trabalhista ou tributária. De modo que não é o mero inadimplemento de débitos ou a mera qualidade de sócio que possa autorizar a inclusão dos sócios. As hipóteses legais devem estar previstas, como o ônus da prova do credor, e principalmente que aquele sócio tenha poder de gerência, como preconiza o artigo 135, do CTN.

———————-

[1] “Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial. (…) 2º Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica”.

[2] “Resp. 1.864.620 – Ministro Antonio Carlos Ferreira – julgado 12.09.23”.

[3] “Definição acerca da (in)compatibilidade do Incidente de Desconsideração de Personalidade Jurídica, previsto no art. 133 e seguintes do Código de Processo Civil, com o rito próprio da Execução Fiscal, disciplinado pela Lei n. 6.830/1980 e, sendo compatível, identificação das hipóteses de imprescindibilidade de sua instauração, considerando o fundamento jurídico do pleito de redirecionamento do feito executório”.

Flavio Marques Ribeiro é Graduado em Direito pela FMU em 2004; Pós Graduado em Processo Civil pela PUC/SP. Pós- graduado em Direito Imobiliário pela Escola Paulista de Direito (EPD) e Pós-graduado em Direito Civil Empresarial e Contratos pela Damásio Educacional. Experiência e liderança no Contencioso Cível em diversos escritórios, com litígios envolvendo as áreas de Direito Empresarial, Contratual, Consumidor, Imobiliário, Societário, Tributário, Família e Sucessão.

Flavio Marques Ribeiro

Autor Flavio Marques Ribeiro

Mais publicações de Flavio Marques Ribeiro

Deixe uma resposta

×